domingo, 16 de dezembro de 2012

Causos do cangaço.

Em um vale castigado ao extremo pela cruel estiagem que castigava o sertão baiano, num ranchinho escondido ao lado de um quase escasso olho d'água, morava um velho vaqueiro solitário, que atendia pela alcunha de "Zezim Pebão".



Ninguém sabia o seu nome e todos o consideravam como o maior vaqueiro da região, pois seus aboios ecoavam nas caatingas e eram ouvidos à léguas de distância, e segundo os moradores do lugar, este homem perdera sua mulher em uma noite bem escura, quando juntos caçavam tatu, e ela foi picada por uma urutu cruzeira, serpente perigosíssima, a mais peçonhenta das jararacas.



Dizem que ele chorou e sofreu bastante com a perda da companheira, e logo após enterrá-la no cemitério da cidade, ele sumiu montado em seu cavalo ruano e ninguém mais ouviu falar dele.

Alguns caçadores dizem que quando se perdiam durante a noite, sua cantiga os conduziam ao rumo certo. Na quaresma de Março do ano de 1932, o cangaceiro


Cristino Gomes da Silva Cleto o "Corisco", junto de Dadá, sua companheira, que na ocasião encontrava-se grávida, deixaram o bando de Lampião e em trajes comuns, atravessaram o sertão pernambucano, penetrando na inóspita região do Raso da Catarina, com destino á cidade de Salgado do Melão, no Estado baiano.


Corisco estava montado em um vistoso e ligeiro cavalo alazão, e a montaria de Dadá era uma mansa e linda mula de pelagem rosilha.


Eles cavalgavam atentos, e com todo o cuidado, pois o estado de Dadá era totalmente delicado. Foi então que em um lugar longínquo, na região próxima ao Brejo do Burgo, ao cair à tarde, cansados da viagem, Corisco escolheu um recanto seguro, entre umas rochas rodeadas de mandacarus, e sob a sombra de um frondoso pé de jatobá, ali, ele apeou-se e ajudando Dadá a descer da mula, forrou uma coberta sobre a vegetação rasteira, acomodando carinhosamente seu cônjuge. E pegando as cabaças repletas de água, após saciarem a sede, deram água também aos animais, desarreando-os, deixando-os que pastassem amarrados ali perto deles.




Corisco e seus Cães



Corisco tinha uma cadela preta e branca, mestiça, da raça perdigueira, que gostava mais dele do que a própria Dadá, e era ela quem fazia a guarda deles.

Corisco desembainhou seu facão collins c.o, e foi mais adiante cortar alguns galhos para fazer uma fogueira onde passariam a noite, e quando vinha vindo com o feixe de lenha nas costas, avistou uma cotia, que assustada, cruzou correndo sua frente.


Corisco fez jus ao nome, e ágil como um raio, disparou um tiro com seu fuzil mauser cal.7 m., vindo a atingir o ouvido do pequeno roedor.

O jantar já estava garantido. Após comerem, Corisco improvisando um leito e agasalhando sua companheira de maneira cômoda, acariciou seus cabelos, fazendo com que sua amada dormisse tranquila e aconchegante.

Corisco perdera o sono. Sentou-se em uma pedra ali ao lado, fez um cigarro de palha, e ficou observando a lua cheia, que morosamente surgia entre os mandacarus, parecia pressentir o que estava por vir.

Corisco pensava em chegar logo até Salgado do Melão, pois Dadá estava próxima a entrar em trabalhos de parto, e isto lhe preocupava muito. Mas de repente sua cadela levantou-se e ficou de orelhas em pé.

O Diabo Loiro que não temia nada, vendo algum perigo ali rondar, de imediato acordou Dadá, deixando-a preparada para enfrentar o perigo oculto nas sombras da noite.

A cadela rosnou e ficou ao lado de Dadá. Os cavalos começaram a se agitar, um grunhido estranho e aterrorizante se ouviu à frente. E quando Dadá lumiou com um tição em chamas, pode-se ver de fronte a Corisco, a figura horripilante de um lobisomem.
A besta fera era bem maior que Corisco. Tinha orelhas grandes e eretas. Seus olhos eram vermelhos flamejantes, igual a duas jóias vindas do inferno. Dentro da bocarra espumante havia enormes dentes caninos e pontiagudos, entre eles escorria uma baba fétida, sórdida e gosmenta. As patas superiores apresentavam descomunais garras afiadíssimas e a pelagem negra, ajudavam-no a se ocultar dentro da escuridão da noite.

Corisco que já se encontrava de arma na mão, manobrou seu fuzil e efetuou três disparos em direção do monstro. Mas para sua surpresa, as balas só amorteciam no pelo dele e caiam fumegantes no chão. Corisco nem gastou mais munição. Puxou de seu punhal de prata e ficou na defensiva. O demônio saltou sobre o Diabo Loiro que se atracaram em uma luta mortal sobre a relva molhada de sereno. Num lapso, o punhal escapa das mãos do cangaceiro e caindo, se perde em meio a vegetação rasteira. Nisso, a fera agarra em seu pescoço e vai apertando gradativamente para matá-lo enforcado.

O valente cangaceiro se esforça inutilmente, e quando vê os seus olhos já sendo coberto pelo véu cinzento da morte, numa derradeira tentativa ele passa a mão sobre a grama achando seu punhal de prata. E assim segurando-o com firmeza, reunindo as últimas energias do seu corpo, o Diabo Loiro serra os dentes e desfere um fatídico golpe que atinge violentamente o sovaco do lobisomem, causando-lhe uma lesão profunda e mortal. A besta solta um urro ensurdecedor, larga o cangaceiro e sai correndo e sangrando caatinga adentro, até desaparecer na escuridão da noite.

Corisco segurando o punhal manchado pelo sangue da fera vai cambaleando até Dadá, que o abraça e banha com água sua cabeça para ajudá-lo a se recuperar mais rápido, e assim ambos adormecem.

No alvorecer do dia seguinte Corisco assopra e ateia os tições quase extintos da fogueira, e faz um café. Após quebrar o jejum corisco deixa Dadá em um lugar seguro, e vai campear suas cavalgaduras, e caminhando por alguns minutos, ele localiza os animais a uns oitocentos metros do seu acampamento.

Corisco ao se aproximar, avista um ranchinho ao lado de um pé de aroeira, e quando chega mais perto, vê pelas frestas de madeira um velho deitado numa tarimba, gemendo de dor. Corisco pega seu parabelliun 9 m. e vai pra bem perto do cabra, pergunta:

- Ei! môço, o quê ta se sucedendo com o sinhô?

E o moribundo responde:

- Ai!aaai! eu fui cortá lenha nu mato i trupiquei num cipó i na queda cai com u subacu im cima duma ferpa di pau, ai!ai! óia moço, pega sua muiê e suma daqui antes di iscurecê antis da lua saí.

Corisco perguntou novamente:

- Diga então veio, pelo menu seu nome?

E ele respondeu:

- É "Zezim Pebão". Agora fais o que tô mandandu. Si arranca daqui cabra da mulestra!

Sem desconfiar de nada o cangaceiro pegou seus animais e se foi. Chegando ao acampamento Corisco arriou os animais e partiu rumo ao lugarejo chamado Salgado do Melão, e assim quase turvando o casal, chegou na supracitada cidade,

Corisco levou Dadá para casa e deixou a companheira aos cuidados dos parentes. E foi até uma venda comprar o que precisava, e lá, bebendo umas pingas e proseando com o povo ele perguntou:

Arguém di oceis cunhece um tar "Zezim Pebão"?

Dai um sertanejo por nome Zé Osmídio respondeu que sim, e contou toda a verdade a Corisco, que cismado e surpreso, foi para junto de Dadá. No outro dia já estava viajando de volta para Pernambuco, com destino ao coito de seu compadre Lampião.

Pois é amigos, este é mais um fantástico caso do cangaço e de cangaceiros.

Se é verídico cabe a você analisar.



Francisco Carlos Jorge de oliveira é da policia militar paranaense, e contador dessa interessante história do cangaço neste blog.

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